2024/04/19

Contornos de rostos


                                                                         Tirado daqui

Os Cyclops (1957)

Ao fim e ao cabo, todos aqueles rostos eram confiáveis. Todos os dias os via, habituara-se a duvidar de tudo, e até daquelas pessoas que não conhecia, e fazia por não conhecer. Mas chegara o dia em que, tudo indicava, teria de mudar a sua conceção. Havia sorrisos, contornos de rostos sumidos pela indiferença, pelo passar doloroso do tempo. Mas havia essencialmente sinceridade. Luxúria pelas passagens simples e irrepetíveis da vida. Era isso, confiabilidade, que se tratava aqui. E ela era reconhecida. Passou por isso, a partir daquele dia, a considerar cada especificidade que via. E renunciava ao adeus, ao desprezo. Concentrava-se nos defeitos de um rosto, na perfeição em construção de outro, nas lições de vida ocultas de outro. E readquiriu a felicidade. A vontade de deixar marca no solo em cada passo que passava a dar. 

2024/04/18

medo,...e um templo



tens medo,
e em dias curtos
desenhas a cúpula,
o capitéu,
as portas e janelas,
e falas da fuga de um templo,...

tens medo,
e não há sítio no mundo,
frases certas para apurar o tempo,
a razão,
a política apropriada para o fim,....

e com medo,
fazem-se países,
defendem-se prisões indefensáveis,
e há o que sobra,
do templo que desenhaste

2024/04/17

Vilipendiei

 

                                                                             Tirado daqui

depois de dizer,
desdisse,
contrapus,
vendi ao sol restos
de água gelada,...

enganei,
vilipendiei,
guardei em gavetas
o perfume da tua gola,
os restos esfarelados,
da pele que me seduziu,
e que escapou quando saíste,...

depois de dizer,
relevei,
perdoei,
encafuei-me numa
cama,
senti o sol
viralizado,
e como mentira,
esperei o sono,
a olhar pra luz,
entediado

2024/04/16

Coisas em repouso


E diz-se das coisas em repouso,
Da barriga distendida,
Da mão de amor pousada num colo,
Da boca que só se mexe contraida pela dor,
Diz-se a verdade mais que o desejo,...

Diz-se que se lamenta que as pessoas tenham partido,
Afirma-se que o silêncio mete medo,
E que um grito de dor debaixo de uma chuva demolidora,
Faz tão melhor que a ausência,...

Em suma,
As coisas em repouso são o que deflagra a inoperância do tempo,
Mas também o seu devir de instalação,
Instalação do pavor de mudança 

2024/04/15

Medo era inevitável

 Uma discussão baseada no medo,

Vontade negada de fazer mais,

Dizer mais,

Resistir a uma herança de descrédito,

Para dar o safanão final naquela condição de infortúnio,...


E que assim se começasse a dar passos que contassem,

Um desejo real por carinho,

Crenças comuns nas mesmas coisas,

Aquela musica que viesse ao nosso encontro,

Para nos tornar felizes,

Dignos de qualquer coisa,...


Mas haveria sempre uma crença,

Que esconderia a luz,...


Por isso o medo era inevitável 


2024/04/14

Próximo passo

Não se acalmava de outra forma que não com um beijo. No cimo da cabeça, por entre vigorosos benfazeres no cabelo revolto, alourado. Não era pessoa de fios na pele, de sentimentos de meio termo. Precisava de sentir-se apertada, até constrangida de  alguma forma. Punha as cartas na mesa em relação aos sentimentos.  Gritava. O seu limite parecia não existir. Revoltava-se contra a solidão.  Os limites da atração humana. Até o facto de o  tempo ser um conceito escasso, inexistente até, já que o entendia mais como uma reação do que como uma realidade, a fazia ser apologista da violência verbal. Do insulto pelo prazer do insulto.

Um dia quis dar o próximo passo. Escolheu um entardecer junto ao mar. Com um sol refém do inverno que dava os últimos suspiros.  Acalmei-a, elogiando a singeleza da sua figura. A resposta demorou, quase ao compasso do arrolhar das ondas...





2024/04/13

Transmuta-se numa mulher madura


                                                                                    Tirado daqui

Há uma mesa posta,
Com augúrios,
Restos de comida em decomposição,
Conversas e minudências para a troca,...

Enquanto isso o tempo desliza por entre pés deformados,
Acaricia mãos de contas de rugas,
Amaldiçoadas pela dor e esquecidas pela vontade,...

Transmuta-se numa mulher madura,
E vai ocupar uma cadeira de verga,
Vazia e insuspeita,...

Não faz muita diferença,
Nem sequer atenua o cheiro a ilusão,...

Mas está ali,
E aproveita para ler autores inconformados,
Enquanto acaricia cachos de cabelo alourado 

                                                                                  Foto de: Angelika Ejtel

2024/04/12

Noite inteira de vozes arredondadas

 De vez em quando alguém toca nas nuvens,

E devolve a razão à terra,

Passam-se horas,

O conceito de tempo desfaz-se como a pele morta de uma pessoa desiludida,...


E do outro lado do mundo,

Assumindo que se está onde já não há sol,

E nos antípodas de onde a neve cai para esconder o sangue,...


Há uma noite inteira de vozes arredondadas 

Amedrontadas para defrontar,.. 


Reescrevo este que é um medo sem sentido,

Fecho o envelope com a ponta da lingua,

E segue como um rasgo de real,

Para que leias quando o acaso o permitir


2024/04/11

História de fim abrupto

 um livro tem de começar por algum lado. A razão está do lado de quem lê. Por vezes de quem escreve. Há nuvens no céu, frases por terminar ainda antes de a respiração ser a certa para que o discurso continue.
E um almoço. Duas pessoas sentadas à mesma mesa. Não necessariamente a olharem uma para a outra. Podem sentir os pés a roçar, o que causa calafrios e a vontade de adiar o discurso.
A sala é impessoal, fria, com duas janelas que deixam, mal, entrar a luz fosca de um início de tarde de outono. Duas pessoas que não se conhecem, apesar de acharem que sim.
Uma mulher atenuada na dor. Com uma aparente metade da vida cumprida, e passos trémulos para abraçar a próxima. Um homem mais novo. Pouco mais, mas com um olhar menos comprometido. Mais doce. Falavam ocasionalmente. Sem grande intensidade. Ele dizia ter estado já em muitos lados, mas que o seu local preferido será sempre um recanto especifico da sua casa. Ela não.  Um silêncio descontinuado com esgares ocasionais para o exterior através da pequena janela que os ladeava, era revelador da insegurança sentida. Mas esta é uma história, assim sendo, condenada a um fim antecipado. São duas pessoas sem prioridades de que falamos. Com uma pele emvelhecida. E que irão levantar-se, sair, reduzindo assim a possibilidade de este momento se repetir. E, como tal, a história acaba aqui 

2024/04/10

polifonia, monotonia, fim

polifonia;
definição de som discórdico,
escarrado de gargantas
 ou evoluído,
em direção a paraísos de cores
e tonalidades,...

monotonia,
há vento na mais estreita rua
de reikjakvik,
caminhamos em fila,
abraçados pelas luzes
que a noite fere por ali,....

abrimos um livro,
é sartre explicado aos desesperados,.....

fim,
particípio de passados
que dormem juntos,
e de mão dada,
testamos a vontade de ascender






2024/04/09

engulo o orgulho que gosto de trazer na traqueia

Os passeios,
as ruas anuladas,
tantos passos para nada dizer,
engulo o orgulho que gosto de
trazer na traqueia,....

um carro passa,
e outro,
e outro,
nervoso e incapaz de te segurar a mão,...

há mais que uma luz nesta rua,
e há gritos,
e há mentes fora um do outro,
e pensamentos de morte,...

há tanta coisa,
faz-me a vontade,
e a luta pode continuar no escuro


                                                                       Tirado daqui

                                                    Sundays are the worst, JC Götting

2024/04/08

Choros de prata no Sião

 Dormi na rua,

Tapado pelas estrelas,

Envolto na dúvida do medo,

E com os gemidos maduros de uma noite que é mulher,...


Fechei os olhos e passei anulado pelas flores de um campo mudo,

Foram meus os intervalos de ouro do mundo,...


Houve lamentos,

Choros de prata no Sião,

E loucuras sem nome num deserto dourado,...


E ao acordar,

Alguns rostos disformes saltavam-me à vista,...


E com a persistência de um louco,

Fiquei a ver o real entortar-se ao redor,

De uma árvore moribunda

Drácula (1931)
De: Todd Browning 

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